O chamado “novo sindicalismo”, surgido na década de 1970 e que contava entre suas principais lideranças com dirigentes como o atual presidente Luis Inácio Lula da Silva, pautava-se por uma crítica à estrutura sindical vigente e a um de seus principais alicerces, o imposto sindical. Instituído em 1939, pela ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, o imposto sindical (rebatizado pela Constituição de 1988 de contribuição sindical) é um desconto compulsório de um dia do salário do trabalhador, recolhido às entidades sindicais de primeiro grau e repartido entre as de grau superior (federação e confederação) e o governo.
Essas novas lideranças, também conhecidas como sindicalistas autênticos e os membros das oposições sindicais combativas, viam no imposto sindical e na unicidade sindical (um único sindicato representa os trabalhadores de uma mesma categoria econômica de uma base territorial), peças chaves na manutenção de uma estrutura sindical corporativa e pelega. O sindicato, ao ter assegurado sua fonte de financiamento, não precisa ser realmente representativo, conquistando essa condição por sua luta na defesa dos interesses dos trabalhadores. A representatividade sindical é garantida pelo Estado e a manutenção financeira das entidades é feita pela contribuição (imposto) sindical.
Essa crítica acirrou-se durante a ditadura civil-militar, pois a lei em vigor garantia ao Estado o poder de intervir nos sindicatos combativos e comprometidos com os interesses dos trabalhadores, substituindo-os por interventores indicados pelo Ministério do Trabalho. O poder de intervenção do Estado nos sindicatos foi abolido na Constituição Federal de 1988, que garantiu a liberdade de organização sindical, mantendo, porém, a unicidade sindical e o imposto sindical, rebatizado como já indicamos de contribuição sindical, criando uma nova taxa compulsória: a contribuição confederativa.
As vantagens em ser dirigente sindical
Ainda que os problemas da organização dos trabalhadores não possam ser debitados todos a unicidade sindical e a contribuição sindical, é inegável sua responsabilidade, no surgimento de uma camada de dirigentes sindicais pelegos e corruptos. Nesse sentido, a crítica feita pelo “novo sindicalismo” a alguns aspectos da estrutura sindical, está correta. Ela favoreceu a perpetuação na direção dos sindicatos de uma camada de dirigentes cuja representatividade e reconhecimento não requer a defesa dos interesses dos trabalhadores, pois tem o reconhecimento estatal para representá-los em negociações e dissídios de toda ordem.
Além do mais, com a contribuição sindical e outras contribuições compulsórias como a contribuição assistencial, prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e a contribuição confederativa, criada como indicado acima pela Constituição Federal de 1988, ficam garantidos o financiamento das entidades e as mordomias de alguns de seus dirigentes. Ainda que essas contribuições compulsórias tenham de ser aprovadas em assembléias gerais das categorias, sabemos, muito bem, como isso ocorre na vida real. Em um ambiente marcado pela desmobilização, pela existência de sindicatos que existem apenas como uma estrutura jurídica apta legalmente a recolher as contribuições compulsórias, com o descrédito nutrido pelos trabalhadores em relação à direção destes sindicatos, as assembléias convocadas para a aprovação das contribuições (assistencial e confederativa) são feitas, muitas vezes, apenas por um edital publicado em um jornal diário de grande circulação. Não existe convocação dos trabalhadores da categoria por meio de informativo próprio distribuído na base, pois fazer isso significa “puxar” os trabalhadores para participar da vida sindical, o que ameaçaria a perpetuação dos dirigentes sindicais pelegos. A própria inação de muitos sindicatos, feita propositalmente para não atrair os trabalhadores para a vida sindical, pois requer a mobilização permanente da categoria, resulta em assembléias esvaziadas e sem a participação da base.
Essa situação há muito tem favorecido a criação e a existência de sindicatos com vida meramente cartorial e sem vínculos orgânicos com as suas categorias, tornando a função de dirigente sindical um negócio vantajoso para muitos. Além do status social, garantem-se outras pequenas regalias, tais como a liberação da atividade profissional para o exercício sindical, possibilita condições para candidaturas a cargos eletivos e permite, em muitos casos, o recebimento de uma ajuda de custo paga pelo sindicato, o que melhora a condição material de vida dos dirigentes. Em alguns casos, essa melhoria da condição material ocorre pela crescente participação de dirigentes sindicais em conselhos administrativos de empresas estatais e públicas, recebendo bônus por presença nas reuniões, da ordem de milhares de reais por mês. Acrescente-se a isso o enriquecimento de diversos dirigentes que “vendem” vergonhosamente os direitos dos trabalhadores aos patrões.
Por esses motivos, muitos trabalhadores desconfiam dos sindicatos deixando de se associar a estes. Há uma percepção correta, ainda que por vezes despolitizada e de aceitação passiva dessa situação, de que os sindicatos se distanciaram de sua função mais básica e precípua, qual seja, organizar a força de trabalho e uni-la para através da ação coletiva, vendê-la em condições mais vantajosas no mercado de trabalho e protegê-la das condições de trabalho insalubres e perigosas. Ao deixarem de cumprir com essa função básica, os trabalhadores por desconfiança se afastam dos sindicatos, deixando de se associarem e de manterem vínculos orgânicos com suas entidades de classe.
Governo Lula: novo atrelamento dos sindicatos ao Estado
Com a chegada de Lula à presidência da República, surgem mudanças no cenário sindical brasileiro, que apontam para um reforço dessa situação. Algumas medidas tomadas pelo governo Lula acentuam os vícios existentes no sindicalismo brasileiro, marcado pelo peleguismo e pelos benefícios que a atividade sindical garante aos dirigentes sustentadas pela dependência financeira dos sindicatos em torno das contribuições compulsórias pagas pelos trabalhadores.
Uma das principais medidas que reforçam essa situação, está na Portaria 194 do Ministério do Trabalho, de abril de 2008, que reconhece a existência das centrais sindicais. Estas há muito eram reconhecidas politicamente como interlocutoras de parcelas do movimento sindical brasileiro, mas não tinham reconhecimento formal, pois a estrutura sindical varguista não admitia a sua existência. Contudo, a Portaria 194 não só reconheceu e disciplinou a função das centrais sindicais, como repartiu a parcela da contribuição sindical que cabe ao governo federal, com as centrais sindicais. O objetivo ainda que não declarado pelo governo, é o de obter destas o apoio para a reforma trabalhista.
Para as centrais sindicais terem o direito a esse dinheiro, a Portaria 194 impôs exigências tais como possuir certo número de entidades filiadas em cada região do território nacional. Apenas seis centrais conseguiram atender essas exigências, sendo elas: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
Essa repartição da parcela do governo federal sobre a contribuição negocial representou, já em 2008, um volume de recursos da ordem de R$ 56 milhões. A CUT ficou com a maior fatia, R$ 19,8 milhões, secundada pela Força Sindical, R$ 15,1 milhões e pela União Geral dos Trabalhadores (UGT), R$ 8,8 milhões.
Contribuição negocial: reforço ao peleguismo sindical
O reconhecimento das centrais sindicais e a repartição feita pelo governo com as centrais da quota que lhe cabe da contribuição sindical, é parte integrante das mudanças cuja finalidade é a de alterar a estrutura sindical brasileira. Um dos seus principais focos é o de acabar com a contribuição sindical, substituindo-a por outra fonte de financiamento. O resultado está na apresentação pelo governo de um anteprojeto negociado com as centrais sindicais no Fórum Nacional do Trabalho (FNT), que substitui a contribuição sindical pela contribuição negocial. A proposta apresentada no FNT inclui a extinção de todas as outras formas de contribuição, como a assistencial e confederativa, normalmente aprovadas durante a campanha salarial e sujeitas ao direito de oposição dos trabalhadores não-sindicalizados. Os patrões, muitas vezes, ameaçam os sindicatos com a não assinatura das convenções coletivas de trabalho, caso estas não prevejam o direito de oposição dos trabalhadores não sindicalizados ao desconto das contribuições compulsórias.
Pelo anteprojeto, a contribuição negocial é “devida por todos que participem de uma categoria econômica ou profissional e servidores públicos” (art. 1º). O artigo 2º do anteprojeto define que “A contribuição negocial terá periodicidade anual e seu valor, que não poderá exceder, no caso dos trabalhadores, a 1% (um por cento) da remuneração anual, será deliberada e instituída em assembléia geral da categoria”. Em seu artigo 7º, ela define como os recursos da contribuição negocial serão repartidos entre os sindicatos e as entidades sindicais de grau superior: 70% ao sindicato, 15% para a federação, 5% para a confederação correspondente e 10% para a central sindical.
Um cálculo simples permite avaliar quanto os sindicatos reforçarão, com a contribuição negocial, os seus caixas. Se tomarmos como paradigma um trabalhador com salário mensal de R$ 1.000,00, o desconto da contribuição sindical de um dia de salário, ao ano, representam R$ 33,33. Com a contribuição negocial de 1% sobre a remuneração anual do trabalhador, para o mesmo salário de R$ 1.000,00 multiplicado pelos 12 meses do ano mais a gratificação de Natal (13º salário), o valor arrecadado seria de R$ 130,00. Um aumento, portanto, de 3,90 vezes (ou 290%) o valor atualmente descontado a título de contribuição sindical.
Como o anteprojeto da contribuição negocial fala em um desconto de 1% sobre a remuneração anual do trabalhador, entendemos que sua incidência recairá sobre horas-extras, todos os tipos de adicionais (noturno, insalubridade e periculosidade) e a Participação nos Lucros e Resultados (PLR), elevando ainda mais os valores a serem recolhidos pelos trabalhadores às entidades sindicais. Outro aspecto a ser analisado, é de que a proposta de contribuição negocial não discrimina trabalhadores sindicalizados dos não-sindicalizados. Com isso, a taxa de sindicalização pode cair ainda mais, pois compensaria financeiramente cobrar a contribuição negocial, do que convencer os trabalhadores a se filiarem espontaneamente aos sindicatos, pois isso exigiria das direções sindicais pelegas maior combatividade e compromisso com os interesses dos trabalhadores. Desse modo, rompe-se com o princípio mais elementar do sindicalismo desde a sua origem, que é o seu caráter associativo, em que o trabalhador conscientemente filia-se à sua entidade de classe, por compreender a necessidade de sustentar uma ferramenta de luta que o defenderá.
Mesmo com as precauções para a sua aprovação, como a de se ter uma assembléia convocada especificamente para esse fim, com um quorum mínimo para aprovação previsto em estatuto, acreditamos que ela manterá e até reforçará o peleguismo sindical, não impedindo a existência de “sindicatos de carimbo”. Com índices de sindicalização já baixos, os sindicatos pelegos e de cartório não teriam dificuldade em atingir o quorum de 2/3 dos sindicalizados como previsto no artigo 612 da CLT. Além do mais, como os próprios sindicatos têm liberdade para definir em estatuto o quorum requerido para aprovação da contribuição negocial, não resta dúvida de que muitas direções sindicais o rebaixarão ainda mais para facilitar sua aprovação em assembléias esvaziadas, com pouquíssima ou quase nenhuma participação da base.
Em síntese, em uma conjuntura na qual predominam sindicatos com vida meramente cartorial e cuja existência não está baseada na defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores e em laços orgânicos construídos com as categorias que representam, a contribuição negocial proposta no anteprojeto negociado entre o governo Lula e as centrais no FNT, resolve o problema financeiro de uma burocracia sindical pelega e corrupta, reforçando as tendências mais nefastas existentes no movimento sindical brasileiro. Contudo, em nada contribui para fortalecer a luta dos trabalhadores, mobilizando-os em torno da defesa de seus direitos, rumo a novas conquistas.
Em nossa opinião, não somos em princípio contra a contribuição negocial. Não achamos correto e muito menos educativo que as contribuições financeiras fiquem a cargo apenas dos trabalhadores sindicalizados. Como defendemos a unicidade sindical, não achamos justo o sindicato ter de representar todos os trabalhadores de uma categoria, inclusive os não-sindicalizados que têm sua relação de trabalho normatizada por uma convenção coletiva e os seus salários reajustados devido às negociações na data-base, sem contribuírem com nenhum centavo à entidade sindical responsável por representá-lo e firmar referidos acordos. Nesse sentido, é correta a instituição da contribuição negocial dos trabalhadores não-sindicalizados, aprovada em assembléia e sem direito de oposição. Entendemos, porém, que esse valor deve ser limitando a 3% do salário base do trabalhador, tendo por referência a remuneração recebida no mês da data-base. E mesmo a cobrança desse índice poderia variar de acordo com a taxa de sindicalização alcançada pelo sindicato. Quanto menor o índice de sindicalização, menor o porcentual de desconto da contribuição negocial. Isso poderia estimular e mesmo forçar os sindicatos a terem um papel mais ativo e a construir laços mais orgânicos com suas categorias.
Retomar as lutas para superar o peleguismo e o cupulismo sindical
Não somos ingênuos em acreditar que uma radical mudança na conjuntura sindical brasileira, seria possível por alterações nos estatutos legais que disciplinam o funcionamento e o papel das organizações sindicais. As mudanças necessárias destinadas a varrer o oportunismo da maioria dos sindicatos, só serão possíveis por uma vigorosa retomada das lutas dos trabalhadores, expressando um novo patamar em seu grau de consciência política e ideológica.
A derrota do peleguismo e do oportunismo que vicejam na maioria das direções sindicais brasileiras, requer dos revolucionários um paciente e exaustivo trabalho de organização e de lutas que auxiliem os trabalhadores na superação dos óbices que dificultam a retomada dessas lutas. Trata-se de um processo essencialmente político e de ligação orgânica com as lutas e o cotidiano dos trabalhadores.
Porém, ele pode ser dificultado por meio de mecanismos legais, como faz o governo Lula, ao preferir fortalecer com o reconhecimento das centrais sindicais (com a devida repartição da contribuição sindical) e a instituição da contribuição negocial, uma cúpula sindical pelega e burocrática. Poderia, ao contrário, estimular meios pelos quais a luta de classes, tendo os sindicatos à frente, desempenhariam um papel mais ativo no atual contexto.
Autor *Renato Nucci Junior é membro da direção estadual do Partido Comunista Brasileiro (PCB) de São Paulo. Campinas, setembro de 2008.