R. SJRJ, Rio de Janeiro, n.11, pt. 1, p. 2003. p. 43
APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO E DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO
Theophilo Antonio Miguel Filho, Juiz Federal da 24ª Vara Cívil
e Diretor do Foro da Seção Judiciária do Rio de Janeiro
I – Problemática
Não são raras as vezes em que o candidato aprovado em concurso público comparece
ao Poder Judiciário para pedir que a esfera do Poder Público responsável pela
realização do certame seja compelida a nomeá-lo para o cargo almejado.
Tal pretensão exsurge quando, a despeito da aprovação e classificação dentro
do número de vagas expressamente previsto no edital, a Administração Pública quedase
inerte, ou, ainda, quando, durante o prazo de eficácia1 do certame, cargos tornamse
vagos em virtude de transferências, aposentadorias ou óbitos de seus ocupantes.
As razões expendidas abordam o inconformismo com a conduta omissiva e excessiva
delonga na nomeação, já que não seria razoável, além de ferir o princípio da
moralidade administrativa, que, a despeito da existência de cargos vagos, se realizasse
um custoso e demorado concurso público para o provimento dos mesmos única e exclusivamente
com a finalidade de arrecadar o valor cobrado a título de inscrição, o qual,
invariavelmente, é elevado.
II – Objetivos
Por intermédio do presente trabalho, pretende-se demonstrar a insubmissão do
Poder Público ao dever jurídico de nomear candidato aprovado em certame, em que
pese a vacância de cargos.
III – Justificativa
A importância deste estudo se justifica para preservar a integridade de diversos
princípios do Direito Administrativo, como o da razoabilidade, o da moralidade,
bem como o da separação dos Poderes, a fim de coibir indevidas ingerências do exercício
da função jurisdicional em misteres exclusivamente atinentes aos da função
administrativa, evitando a proliferação de práticas processuais que enfraqueçam a
segurança jurídica e acarretem instabilidade nas relações políticas.
1 Afirma Sergio de Andréa Ferreira, in Comentários à Constituição, 3o volume, 1991, Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, página 150, que
“a CF, no inciso III do artigo 37, fixou o que rotula de prazo (máximo) de validade do concurso público. Repete, assim, equívoco,
generalizado, encontradiço na própria legislação, porquanto o prazo é ligado ao plano de eficácia, e não de validade. Em verdade, a
limitação temporal diz respeito ao efeito produzido, ou seja, à habilitação que resulta da aprovação no concurso homologado, e,
quando, é o caso, da correspondente ordem classificatória. É, pois, questão de vigência desse efeito, que tem prazo preclusivo.”
19-48,
p. 44 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n.11, pt. 1, p. 2003.
IV – Metodologia e técnicas utilizadas
A pesquisa jurisprudencial e doutrinária será o método utilizado para se
alcançar a conclusão.
V- Desenvolvimento
A controvérsia acerca da existência de direito subjetivo à nomeação de candidato
aprovado em concurso público suscita intermináveis debates acerca de questões jurídicas
de alta indagação, envolvendo seara constitucional e administrativa.
Ensina-nos San Tiago Dantas2 que em toda relação jurídica, consubstanciada em
uma relação social especialmente qualificada pela norma jurídica, encontra-se como seu
elemento fundamental o dever jurídico. Esse dever se deduz da própria norma jurídica que
qualifica aquela relação. Ou é o dever de fazer aquilo que a norma ordena, quando a norma
contém o comando, ou é o dever de respeitar os efeitos jurídicos da norma, quando a norma
se limita a atribuir efeitos jurídicos, ou, então, quando a norma foi violada, a esse dever
corresponde um direito de uma outra pessoa de exigir o cumprimento do dever.
Destarte, conclui-se que a relação jurídica compõe-se de dois elementos
indissociáveis: o dever jurídico e o direito subjetivo. Este último é identificável segundo
a presença de três elementos:
a) este direito subjetivo é sempre decorrência de um dever jurídico;
b) o direito subjetivo é violável;
c) o titular do direito subjetivo pode ter a iniciativa da coerção para fazer a
parte contrária sucumbir à sua pretensão surgida da violação do dever jurídico.
Assim, direito subjetivo e dever jurídico são os dois lados da mesma moeda
denominada relação jurídica.
Não há que se falar em direito subjetivo se não preexistir um dever jurídico a ser
desrespeitado. A existência deste é conditio sine qua non para que se cogite daquele.
Neste exato momento vem à baila a inexorável indagação: tem o candidato
aprovado em concurso público direito subjetivo à nomeação?
Esta pergunta equivale a outra de igual quilate: tem a Administração Pública o
dever jurídico de proceder à nomeação de candidato aprovado em concurso público?
A resposta da última conduzirá à solução daquela.
2 Programa de Direito Civil, Parte Geral, Editora Rio, página 147.
19-48,
R. SJRJ, Rio de Janeiro, n.11, pt. 1, p. 2003. p. 45
Doutrina e jurisprudência incumbiram-se de responder. Conforme
Diógenes Gasparini3,
Concurso público é o procedimento posto à disposição da Administração
Pública direta e indireta, de qualquer nível de
governo, para a seleção do futuro melhor servidor, necessário
à execução de serviços que estão sob sua responsabilidade.
Não é, assim, procedimento de simples habilitação. É
um processo competitivo, onde as vagas são disputadas pelos
vários candidatos. Nenhum direito subjetivo tem à nomeação.
Pelo concurso concretiza-se o Princípio da Igualdade.
Referindo-se ao prazo de validade do concurso público (artigo 37, inciso III, Constituição
da República), comenta, ainda, o insigne administrativista que nada impede
que, durante o prazo de validade de um concurso, outro seja aberto, levado a efeito e
classificados os aprovados. O que não se pode dentro desse prazo é nomear os classificados
de um concurso posterior, enquanto existirem concursados anteriores a serem nomeados.
Outro não foi o entendimento esposado pela Eminente Desembargadora Federal
Tania Heine4, em voto proferido perante julgamento realizado no Egrégio Tribunal Regional
Federal da 2ª Região, cuja ementa segue in verbis:
I - Concurso público para professor assistente, constando do edital a
existência de uma vaga, com aprovação de quatro candidatos.
II - Os aprovados têm prioridade sobre novos concursados (art. 37 da
CF) dentro do prazo de validade do concurso (art. 12, § 2o, da Lei
8.112/90).
III - Aberta outra vaga, dentro do prazo de validade do concurso, o
segundo colocado tem direito de ser convocado prioritariamente,
antes dos aprovados no concurso seguinte.
IV - Recurso e remessa necessária improvidos.
Ainda em seu voto, cita a Magistrada as elucidativas lições do saudoso Hely
Lopes Meirelles5:
“Ainda mesmo a aprovação no concurso não gera direito absoluto à
nomeação, pois que continua o aprovado com simples expectativa
de direito à investidura no cargo disputado.
Vencido o concurso, o primeiro colocado adquire direito subjetivo à
nomeação com a preferência sobre qualquer outro, desde que a Administração
se disponha a prover o cargo, mas a conveniência e oportunidade
do provimento ficam à inteira discrição do Poder Público.
O que não se admite é a nomeação de outro candidato, que não o
vencedor do concurso”.
3 Direito Administrativo, Saraiva, 3ª edição, página 129.
4 Apelação em Mandado de Segurança 93.02.20733-1/RJ, publicado no DJU-II de 09/08/94, página 42.213.
5 Direito Administrativo Brasileiro, 1966, página 365.
19-48,
p. 46 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n.11, pt. 1, p. 2003.
Trazemos, ainda, à colação o entendimento do Eminente Ministro Hélio Mosimann6,
em julgamento realizado no Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“... Sabemos que o princípio norteador da matéria é o de que a
aprovação em concurso público não obriga o candidato, ao qual aproveita
mera expectativa de direito à almejada nomeação”.
Nesse mesmo sentido:
“Recurso em mandado de segurança. Concurso público. Aprovação.
Nomeação.
A aprovação em concurso público confere ao candidato expectativa
à nomeação. Não tem direito de exigi-la. Ilegalidade haverá caso a
pública administração promova nomeação em desrespeito à ordem
de classificação.”7
Destarte, impende tecer algumas considerações de ordem prática para perfeito
delineamento da vexata quaestio.
Aprovação e classificação em concurso público não se confundem.
A primeira é conferida aos que obtiverem logrado o grau mínimo. Entretanto,
estes não se podem dizer classificados, eis que se encontram na dependência da existência
de vagas, que é fator meramente circunstancial.
Tanto aos aprovados classificados quanto aos aprovados não classificados reconhece-
se direito subjetivo tão-somente à estrita observância da ordem classificatória
para que se proceda à nomeação, porque a este direito corresponde o dever jurídico da
Administração Pública em manter imaculado o Princípio Constitucional da Impessoalidade
e Moralidade, insculpidos no caput do artigo 37 da Carta Magna.
Possuem mera expectativa de direito à nomeação, segundo a análise meritória
da conveniência e oportunidade da prática do ato. Lesão apta a ensejar tutela jurisdicional
só surgirá se e quando for inobservada a ordem de classificação.
Daí porque compelir a Administração Pública a nomear o candidato para o cargo
almejado esbarra em quebra do Princípio da Separação dos Poderes, insculpido no artigo
2o da Constituição da República, consubstanciando-se em ingerência exacerbada e indevida
de um Poder (rectius Órgão) em misteres exclusivos atinentes a outro.
A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, no artigo 77, inciso VII, assim dispõe:
“A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer
dos Poderes do Estado e dos Municípios, obedecerá aos princípios
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, interesse
coletivo e, também, ao seguinte:
6 Recurso em Mandado de Segurança 1585-3/MG, RSTJ 67/267
7 ROMS nº 494/MS, Ministro Vicente Cernicchiaro, e também RSTJ 66/213.
19-48,
R. SJRJ, Rio de Janeiro, n.11, pt. 1, p. 2003. p. 47
VII - a classificação em concurso público, dentro do número de vagas
obrigatoriamente fixado no respectivo edital, assegura o provimento
no cargo no prazo máximo de cento e oitenta dias, contado
da homologação do resultado."
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em mais de uma ocasião, se
posicionou, incidenter tantum, pela inconstitucionalidade do mandamento constitucional
acima indigitado, corroborando, destarte, o entendimento que ora se expõe:
"Concurso público. Artigo 77, inciso VII, da Constituição do Estado
do Rio de Janeiro, que cria direito à nomeação dos candidatos aprovados
dentro do número de vagas e no prazo de cento e oitenta
dias. Inconstitucionalidade formal.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário
n.º 229.450, Relator Ministro Maurício Corrêa, por maioria,
declarou a inconstitucionalidade do artigo 77, inciso VII, da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro, que cria direito à nomeação dos
candidatos aprovados em concurso público, dentro do número de
vagas do edital do certame, e impõe a nomeação no prazo de cento
e oitenta dias, por inobservância do princípio da reserva da iniciativa
legislativa ao Chefe do Poder Executivo (Constituição Federal,
artigo 61, parágrafo primeiro, inciso II, alínea "c").8
Recursos conhecidos e providos.
No Recurso Extraordinário n.º 229.450 - RJ, Relator Ministro Maurício Corrêa,
julgado em 10 de fevereiro de 2000, acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, assegurou a candidatos aprovados no concurso para provimento de cargos de
fiscal do sistema viário o direito à nomeação, por força do disposto no supra mencionado
artigo 77, inciso VII.
A questão versada lavrou dissensão: o Relator, acompanhado pelos eminentes
Ministros Nelson Jobim, Ilmar Galvão, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves,
declarou a inconstitucionalidade da norma impugnada, uma vez que esta limitação temporal,
ao restringir o poder discricionário do agente público, contraria o princípio da independência
dos Poderes, conforme insculpido no artigo 2º da Constituição da República.
Por outro lado, os Ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Octavio
Gallotti e Marco Aurélio entenderam que a Constituição Estadual pode limitar a
discricionariedade dos Poderes, assegurando ao candidato aprovado em concurso público
o direito subjetivo à nomeação.
Recurso Extraordinário 191.089 - RJ, Relator Ministro Ilmar Galvão, 1ª Turma, julgamento em 14 de março de 2000, votação unânime,
publicação no Diário de Justiça em 28 de abril de 2000, página 95, ementário volume 01986-05, página 846.
19-48,
p. 48 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n.11, pt. 1, p. 2003.
Em outra oportunidade9 , acrescentou a Suprema Corte, por maioria, que a
obrigatoriedade da nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas previstas
no edital ofende o artigo 61, parágrafo primeiro, inciso II, alínea "c", da Constituição
da República, que confere ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa das leis
que disponham sobre servidores e o provimento dos cargos públicos.
VI - Conclusão
Em suma: onde não há dever jurídico, inexiste possibilidade de violação de
direito subjetivo, eis que encontramo-nos no campo da mera expectativa de direito, que
somente exsurgirá mediante inobservância à ordem classificatória ou deflagração de novo
certame durante o prazo de eficácia do anterior.
VII - Bibliografia
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19ª ed. São Paulo, Malheiros
Editores, 1994.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Rio de
Janeiro, Ed. Forense, 1989.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 1995.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo, Malheiros Editores,
1992.
Recurso Extraordinário n.º 190.264 – RJ, Relator Originário Ministro Marco Aurélio, Relator para acórdão Ministro Nelson Jobim.
Julgamento em 10 de fevereiro de 2000.
19-48,
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário